Tem alguma coisa de anormal acontecendo comigo. Não consigo definir o que é, muito menos lhe dar um nome, apenas sei que é algo. No fundo, pouco importa se tem ou não nomenclatura para o que eu sinto, tê-la não vai fazer isso sumir. Desde que o mundo não é mais mundo, eu não me reconheço mais. Não sou eu nas palavras, nos gestos, nas roupas e nos gostos. Talvez, eu esteja numa intensidade tão fora do comum que nem notei o que sou e o que deixei de ser.
Tem uma chuva acontecendo lá fora, no outro mundo. Eu consigo escutá-la bem, já que estou perto da janela. Seu choro é denso e alaga as ruas, levando com a correnteza quem nem sabia que tinha que ir. Faz tempo que quero me molhar, mas tenho medo de não sobreviver ao que a friagem causará em meu corpo.
Lembrei que tenho algumas tarefas a cumprir e isso me deixa com mais ansiedade. Já não basta tentar sobreviver a mim, tenho que sobreviver a pilhas de burocracias que diante do cenário atual nem sei se serão realmente relevantes para o novo mundo. No entanto, não há peões para serem sacrificados com o estigma da culpa. Foi algo que escolhi, consciente ou não.
Estou encontrando a saída, daquele labirinto, onde passei meses sem direção. Porém, lá está ela ou ele, aquele ser, aquela coisa. No meio do escuro, sem se mostrar, consigo tão bem reconhecer. Ele vem, mostrando que o tormento não acabou, que o espelho ainda não reflete a minha imagem. E você pode estar achando que eu não tento ou que não me esforço o bastante. Mas, te juro: eu tento, eu passo por cima de mim mesma, passo por cima de quem já fui, na esperança de voltar a ser quem eu era um dia. Os pingos da chuva continuam, assim como as minhas investidas.
Como numa dança, a cada vez que me aproximo, distancio. Quando as minhas mãos parecem finalmente fortes o bastante para alcançar, o chão se desfaz. Me chamem pelo meu nome, o qual nem tenho mais. Ainda consegue me enxergar? É que as relações se tornaram tão robóticas. Todos se tornaram tão robôs. Não há mais ninguém capaz de ver por outra ótica. Lá vai eles, metódicos, inseguros, sem configuração. Uma pena, pois vão ser danificados após a tempestade, assim como fui depois que o meu eu se ausentou. Os fragmentos do espelho continuam no chão e chuva vai demorar para cessar.
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